terça-feira, 2 de maio de 2017

MARCIANO SCHMITZ


No dia 27 de abril, inaugurou no Espaço Cultural Albano Hartz, na cidade gaúcha de Novo Hamburgo, uma importante exposição intitulada 40 ANOS DA CASA VELHA. Há tempos, estava sondando a ideia de fazer uma matéria com o artista Marciano Schmitz, e essa ocasião me pareceu a mais oportuna. Idealizador do Movimento-manifesto Casa Velha, juntamente com os artistas Flavio Scholles e Carlos Alberto de Oliveira, Marciano Schmitz foi de uma cordialidade exemplar ao me conceder uma entrevista sobre ele e sobre seu papel no cenário artístico gaúcho.
Nascido na cidade de Novo Hamburgo, em 1953, não é exagero afirmar que Marciano Schmitz é um dos nomes mais expressivos da arte gaúcha de todos os tempos. Além de pintor, é escultor e professor de artes. Engajado com causas sociais, há exatos 40 anos, criou o Movimento Casa Velha, que ele próprio explicará um pouco, ao fim da entrevista. Dono de um trabalho impecável, é um dos ícones do Surrealismo brasileiro. O regionalismo e o sagrado são temas frequentes em sua obra, sempre carregados de um simbolismo muito particular. Vamos à entrevista:

José Rosário: “A região Sul tem uma forte influência da colonização estrangeira em todos os estados. Seu sobrenome remete a descendência de alguma colonização europeia. Sua origem é estrangeira? Ou somente é descendente de estrangeiros?”
Marciano Schmitz: “A minha região de nascimento, Novo Hamburgo, é de colonização alemã, bem como toda a região da serra. Minha cidade, fica a 45 Km de Porto Alegre. Sou descendente de gerações. Para se ter uma ideia, até os anos 50 só se falava alemão. A cultura local sempre teve forte influência em todos os aspectos. Hoje já está bastante integrada e os antigos hábitos foram desaparecendo”.

José Rosário: “Qual sua formação artística? Cursou alguma faculdade superior em desenho e pintura? E quanto às influências, tem alguma que considera em especial? Algum mestre que seja seu guia especial?”
Marciano Schmitz: “Bom, como sempre, se começa de jovem. Nos anos 60 me inscrevi no então instituto de Belas Artes da cidade. Na época, o ensino era de orientação acadêmica e iniciei trabalhos bem formais. Após, aos 18 anos, ingressei na segunda turma da faculdade de licenciatura em desenho e plástica da FEEVALE, em 72. Ali, a orientação era voltada à vanguarda, o que me custou muito a adaptação. O que valeu foi a base crítica e filosófica, o pensar arte. Na época tinha resolvido seguir na profissão. Para tanto trabalhava em decoração de eventos, cenografia teatral, publicidade, ilustração etc., o que me dava sustentação financeira. Também iniciei na escultura e nas mais variadas formas de construção e materiais. Passei a procurar conhecimento em locais como fundições, construção civil, empresas de publicidade de outdoors (que eram ainda pintados à mão), empresas especializadas em fiberglass e coisas do gênero. Bom, com relação a desenho e pintura, tinha a meu alcance a obra e a amizade de um conterrâneo, Ernesto Frederico Scheffel, grande acadêmico e aluno de Osvaldo Teixeira. Schefell conquistou a famosa medalha de ouro do então Salão Nacional de Belas Artes, nos inícios de 50, foi para Florença e lá ficou a maior parte da vida. Foi um dos meus grandes incentivadores. Outra referência foi o muralista Aldo Locatelli. Italiano de nascimento, foi uma referência no muralismo sacro e histórico do estado. Embora falecido, muito cedo sua obra me influenciou bastante, principalmente na composição e na perspectiva tonal. Porém, como jovem, ficava atento aos movimentos e tendências internacionais da época. "Elegi" então como forma de expressão o surrealismo e a escola metafisica. Cultuava Dalí, Max Ernst, Magritte e De Chirico, que de certa forma até hoje me influenciam.”




Sem rotular como uma escola estilística definida, os trabalhos dessa série são classificados por Marciano Schmitz como "Realidade não normal". Ainda segundo ele, são uma maneira como tenta "esticar" a representação das coisas e paisagens cotidianas.

José Rosário: Vejo que há um ecletismo muito grande em suas obras. Ora se valendo de um realismo quase acadêmico, ora se enveredando de vez pelo surrealismo e simbolismo. Você tem algum estilo que prefere ou prefere fazer aquilo que gosta?
Marciano Schmitz: “O que busquei sempre foi o estudo técnico da representação. De vez que tinha abraçado uma vertente surrealista, a forma teria que ser bem resolvida, mais as influências de pintores locais. Nos períodos de estudante fiz incursões por várias técnicas, inclusive abstrações, porém, no fundo não me satisfaziam, o tema não se adequava. No início eu era mais desenhista, tive que ouvir meu mestre dizer que pintura não era "desenho pintado", era uma coisa quase relacionada à escultura, tive que entender coisas como contrastes por complementares, etc. Outra coisa era a idealização da arte e a sobrevivência com a arte. Na sobrevivência, torna-se necessário ser versátil, objetivo, adequar-se e, nisso existem grandes ensinamentos. As técnicas adequadas, as dimensões físicas das obras, sua adequação às arquiteturas nos fazem encarar tudo como desafio. Por exemplo, a técnica empregada numa obra mural difere muito da técnica em um trabalho de dimensões normais, tem de ser de visualização a grandes distâncias, tem de ser mais sintética, a composição prevalece sobre as formas, a proposta é quase uma montagem teatral, os modelos são estudados separadamente, um a um, depois agrupados fazendo um sentido, a estória começa e termina no "palco". Outra coisa é o uso da alegoria sobre um assunto, exemplo: uma encomenda de uma empresa onde se deve falar desde a história, a missão, o produto e o triunfo, tudo num mesmo espaço. O mesmo acontece no sacro, no político, nas lendas. Agora no que se denomina a nossa arte pessoal a coisa é livre, a técnica, a abordagem é descompromissada, as metáforas que usamos para falar de nós mesmos, nosso discurso pessoal e político. Realmente sempre é melhor pintar nossas próprias ideias, sem a menor intenção de venda.”

José Rosário: Você se considera um artista político? Há algum engajamento político no seu trabalho? Isso já aconteceu algum dia?
Marciano Schmitz: “Falando de engajamentos, sim já houve em peças como monumentos e painéis. Nos anos 80 eram mais aparentes ou objetivos, depois usei mais metáforas, pois, se queremos uma certa atemporalidade não podemos estabelecer situações muito pontuais, temos de fazer o espectador fazer sua parte. Uma coisa que tento muito é abordar a questão existencial, ainda não cheguei no que consideraria o ideal.”




Cenas feitas do que considera como apontamentos. Partes do que o artista denomina como diários cotidianos, apontados em locação, geralmente em pequenas dimensões. São, segundo o próprio Marciano, peças feitas pelo puro prazer de pintar, de estudar cor e luz.

José Rosário: Estamos num momento delicado da história mundial. Da comunicação digital tomando uma força que não se fazia ideia há pouquíssimo tempo. O que acha dessa mudança com relação ao meio artístico? Isso tem afetado ou favorecido a arte, em sua opinião?
Marciano Schmitz: “Com relação à nova comunicação, a digital, existem dois aspectos; primeiro, cheguei a ficar com medo a partir dos anos 90, pensei que o fato de pintar, desenhar e esculpir ficariam no plano de um passado longínquo, as novas ferramentas fariam uma substituição arrasadora, como de fato fizeram a banalização da comunicação visual. Na verdade, o que houve foi a perda da referencia do que sempre foi o precioso da arte, a plasticidade, um trabalho confundido com imagem plotada tornou-se comum. Mas teve seu lado bom, a possibilidade de trazer para perto as experiências de artistas que antes se tornavam desconhecidas. As obras hoje são muito mais visitadas, as oportunidades são mais democráticas, a crítica é mais direta e imediata, bem como a possibilidade de conversar com um artista do outro lado do mundo. Claro que as comunicações e seus agentes deverão agora amadurecer nos conteúdos. Penso que o impacto é semelhante ao do aparecimento da fotografia ou do cinema no passado. Para os artistas torna-se necessário tirar o devido proveito disso.”

José Rosário: Com relação ao Sul, como vê o momento da arte figurativa na sua região?
Marciano Schmitz: “Com relação à arte na minha região, eu a vejo um pouco estanque, talvez até um pouco alienada, falo isso do momento atual. Já foi melhor, mais compromissada (não digo isso como saudosista). Porém novos grupos estão se formando e isso nos trará sem dúvida um futuro promissor.”




Esculturas para um monumento comemorativo e partes e estudos de pintura mural sacra e alegórica.

José Rosário: A mostra 40 ANOS DA CASA VELHA relembra um momento importante da arte em Novo Hamburgo. Fale sobre ela:
Marciano Schmitz: “A exposição 40 Anos da Casa Velha é uma mostra que relembra um movimento ou manifesto que fizemos, Flavio Scholles, Carlos Alberto de Oliveira (Carlão) e eu, em 1977. Era um manifesto de contra cultura que fizemos. A ideia era propor a mudança de hábitos visuais e a permanência do artista no seu local de origem ou na sua aldeia, Éramos pintores de três vertentes totalmente diversas. O Flavio vinha da colônia, do trabalhador rural de origem alemã que ainda tinha toda uma cultura germânica, inclusive na língua. Abordou o trabalho rural, o êxodo rural e a adaptação à uma vida quase marginal nas grandes cidades. Seu estilo é basicamente expressionista, com muita influência do expressionismo alemão. O Carlão era Naife, negro de origem humilde nascido na periferia da cidade (já falecido), abordava seu mundo de vila, desde jogo de futebol, a festa de periferia, terminais de ônibus, o bar, o operário de fábrica.”
A Casa Velha oferecia diversos cursos, como dança e expressão corporal, técnicas de jazz, laboratório de ginástica rítmica, entalhe de madeira, tapeçaria, porcelana, fotografia, modelagem, molduras, aquarela, teatro, chiboris (tingimento em tecido), além é claro, de desenho e pintura. Os cursos despertavam o interesse e a criatividade de quem participava, servindo de fonte de renda para a manutenção da casa. Em plenos anos 70, a Casa chegou a abrigar mais de 250 alunos no mesmo período.
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Gostaria de agradecer imensamente a simpatia e atenção de Marciano Schmitz, que tão prontamente nos permitiu conhecer um pouco do artista e ser humano que é.

Possa sua arte servir de inspiração e referência para essa e muitas outras gerações.


PARA CONHECER UM POUCO MAIS:


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